segunda-feira, 19 de março de 2007

porteños e cordobeses




Buenos Aires é linda. É aristocrata, é chique. Os argentinos são lindíssimos, elegantíssimos. As argentinas com seus cabelos atrapalhados, repicados, ao mesmo tempo presos e soltos com mil presilhas, grampos, piranhas, gominhas, cabelos brilhantes. Cabelo de índio, mas com mais movimento, com ondas sensuais. A argentina não é sexy, mas os cabelos dela são. Totalmente femininos e ao mesmo tempo modernos. Contemporâneos. Movimentados. Os cabelos têm assunto.

A mistura de raças que vi em Buenos Aires não é tão intensa como no Brasil. Não há negros nem mulatos, o que me assustou. Os negros pretos que vi eram literalmente africanos. Mas, voltando à mistura, que mistura peculiar! É como se não houvesse como dar certo, mas deu. É como misturar feijão e gelatina, farinha e tinta de caneta. Misturar traços tão marcantes só podia dar muito certo ou muito errado. Na minha opinião, aquela de quem não conhece muito da vida, a mescla de italianos, espanhóis, polacos e índios foi a melhor de todas, em todo o mundo, pra sempre! Chamo o resultado de expressividade. Há expressão. São bonitos de tão expressivos, bonitos de tão feios alguns. Os narizes grandes, os olhos amendoados ou muito pretos ou muito azuis. Os indígenas são muitos, bem morenos, com caras de poucos amigos o que não é mentira. Conversamos muito, andamos muito. Dizem que boliviano não rouba, que quem rouba em Buenos Aires são os peruanos e uruguaios... imaginem... mas roubaram. Refiro-me aos bolivianos. Não bolivianos mesmo, mas sim alguns poucos filhos deles, provavelmente já nascidos à mercê do mundo, espremidos nos guetos, nas “villas miséria”, como se diz. Realmente, suas caras não trazem muitos amigos. A expressão dessa gente é outra, diferente da nossa. O povo é bravo. Como se respondesse a alguém com veemência e austeridade. E olha que me refiro ao povo sem excluir italianos e espanhóis, pois eles não são menos argentinos. Em nada. É difícil pra eu explicar os argentinos, explicar um pouco como esses homens e mulheres podem ser na íntegra, como aos meus olhos foi uma mistura fatal. A mistura brasileira é mais pacata, mais pacífica, mais sedutora, maliciosa... Até pra roubar... A malemolência brasileira é real e diária, em todas as esferas da vida. Parece que aqui se sente mais, o sangue ferve mais rápido ou simplesmente ferve todo dia, é quente mesmo e pronto. A consciência é comum ou é comum ter consciência. Muitos argentinos, na verdade todos com os quais conversei e foram muitos, perguntaram no primeiro minuto de conversa: “ ... y Lula, cómo está?”. Eu sempre respondia que “se queda malo...”. E me pareciam entender e saber mais sobre o Brasil do que uma pessoa comum, como meu pai, por exemplo. Meu pai faz o tipo cidadão comum: nem rico nem pobre, não é erudito, mas também não é analfabeto. Conversei com distintos senhores argentinos de classe média e baixa: advogados, trabalhadores liberais, vendedores, donos de “pizzerias” e “panaderias”. Eram argentinos judeus, italianos, israelenses e espanhóis. Dá igual. Não pensam que podem ser mais ou menos pobres ou ricos ou pretos ou azuis porque não são indígenas ou o são. Não são menos argentinos. Não são em absoluto menos latinos. Não admitiriam tal ofensa. Não estou dizendo que não há pré-conceito de classes nem de raças, que não há discriminação. Estou tentando explicar que todos os argentinos que conheci e pude trocar mais de meia dúzia de palavras surpreendentemente me apresentaram um sentimento, uma preocupação, um interesse comum, um abraço para com a pátria e com o que ela faz com a gente. Sabem de tudo sobre economia, política, quem fez aquilo e porquê... Quem depôs quem. Quem abaixou o preço do quê e porquê!



Pareceu-me que nós, brasileiros, somos mais anestesiados com o mar, com o amor cantado no samba, onde afogamos as mágoas da vida, as pequenas e as grandes. Parece que os brasileiros se preocupam menos, querem saber menos ou não conseguem saber de tudo. O Brasil é grande demais pra se saber de tudo! O Brasil são vários e na Argentina não é diferente... Os porteños são de um jeito e os cordobeses de outro. Ao norte, aonde iremos amanhã à noite, outros mais morenos, mais bolivianos, por assim dizer. Vamos ver o que meu coração vai me permitir ver por lá. Se este furor de sentimentos será maior, se rodarão mais a camisa ou não. Se culparão os espanhóis pela desgraça indígena sem volta...

2 comentários:

FerRoDeMiNaS disse...

Grande Luiz,

Só hoje pude navegar por aqui e gostei muito do que me traz essas suas viagens. Entre as minhas favoritas. Abraços..

barbara disse...

deleitável a linguagem desse texto e mais ainda deve estar sendo a experiência dessa viagem! tudibom!