quinta-feira, 29 de março de 2007

falando de sentimentos ...



Falando de sentimentos, os meninos daqui também jogam futebol o dia todo e sabem de cor o time brasileiro completo, inclusive os reservas. Os argentinos choram as Copas perdidas até hoje. Não esqueceram da última e marejam os olhos de lágrimas. Sabem que nós, ao contrário deles, ensaiamos um choro por dois dias e depois ninguém mais se lembrava daquilo. Argentinos nunca se conformariam com o “arrumar de chuteiras” do lateral esquerdo brasileiro, o Roberto Carlos, na última Copa. Mesmo porque num time argentino isso é impossível de acontecer. Nunca, jamais. Não seria uma maneira argentina de jogar. É isso que chamo de expressividade. É um brio que infelizmente tenho visto pouco por aqui. É lindo ver os caras comuns rodando a camisa, vibrando a mil por hora com o que é tão comum e próprio deles, de seus pais e avôs. Eles também gostam de música de gosto duvidoso. A “cumbia”, uma música meio “calypso”, meio funk, meio arrocha, meio forró, é detestável pra mim, mas deixam todos entorpecidos.... assim como na Copa. Gritam, choram, rodam as camisas de novo, sem nenhum motivo aparente. Bebem enlouquecidamente e só voltam pra casa ás 8 da manhã. Os sentimentos são intensos. Bebem, dançam, choram, rodam a camisa e gritam de novo! Jogam muito. Isso não é lá um jeito Roberto Carlos de ser...

segunda-feira, 19 de março de 2007

porteños e cordobeses




Buenos Aires é linda. É aristocrata, é chique. Os argentinos são lindíssimos, elegantíssimos. As argentinas com seus cabelos atrapalhados, repicados, ao mesmo tempo presos e soltos com mil presilhas, grampos, piranhas, gominhas, cabelos brilhantes. Cabelo de índio, mas com mais movimento, com ondas sensuais. A argentina não é sexy, mas os cabelos dela são. Totalmente femininos e ao mesmo tempo modernos. Contemporâneos. Movimentados. Os cabelos têm assunto.

A mistura de raças que vi em Buenos Aires não é tão intensa como no Brasil. Não há negros nem mulatos, o que me assustou. Os negros pretos que vi eram literalmente africanos. Mas, voltando à mistura, que mistura peculiar! É como se não houvesse como dar certo, mas deu. É como misturar feijão e gelatina, farinha e tinta de caneta. Misturar traços tão marcantes só podia dar muito certo ou muito errado. Na minha opinião, aquela de quem não conhece muito da vida, a mescla de italianos, espanhóis, polacos e índios foi a melhor de todas, em todo o mundo, pra sempre! Chamo o resultado de expressividade. Há expressão. São bonitos de tão expressivos, bonitos de tão feios alguns. Os narizes grandes, os olhos amendoados ou muito pretos ou muito azuis. Os indígenas são muitos, bem morenos, com caras de poucos amigos o que não é mentira. Conversamos muito, andamos muito. Dizem que boliviano não rouba, que quem rouba em Buenos Aires são os peruanos e uruguaios... imaginem... mas roubaram. Refiro-me aos bolivianos. Não bolivianos mesmo, mas sim alguns poucos filhos deles, provavelmente já nascidos à mercê do mundo, espremidos nos guetos, nas “villas miséria”, como se diz. Realmente, suas caras não trazem muitos amigos. A expressão dessa gente é outra, diferente da nossa. O povo é bravo. Como se respondesse a alguém com veemência e austeridade. E olha que me refiro ao povo sem excluir italianos e espanhóis, pois eles não são menos argentinos. Em nada. É difícil pra eu explicar os argentinos, explicar um pouco como esses homens e mulheres podem ser na íntegra, como aos meus olhos foi uma mistura fatal. A mistura brasileira é mais pacata, mais pacífica, mais sedutora, maliciosa... Até pra roubar... A malemolência brasileira é real e diária, em todas as esferas da vida. Parece que aqui se sente mais, o sangue ferve mais rápido ou simplesmente ferve todo dia, é quente mesmo e pronto. A consciência é comum ou é comum ter consciência. Muitos argentinos, na verdade todos com os quais conversei e foram muitos, perguntaram no primeiro minuto de conversa: “ ... y Lula, cómo está?”. Eu sempre respondia que “se queda malo...”. E me pareciam entender e saber mais sobre o Brasil do que uma pessoa comum, como meu pai, por exemplo. Meu pai faz o tipo cidadão comum: nem rico nem pobre, não é erudito, mas também não é analfabeto. Conversei com distintos senhores argentinos de classe média e baixa: advogados, trabalhadores liberais, vendedores, donos de “pizzerias” e “panaderias”. Eram argentinos judeus, italianos, israelenses e espanhóis. Dá igual. Não pensam que podem ser mais ou menos pobres ou ricos ou pretos ou azuis porque não são indígenas ou o são. Não são menos argentinos. Não são em absoluto menos latinos. Não admitiriam tal ofensa. Não estou dizendo que não há pré-conceito de classes nem de raças, que não há discriminação. Estou tentando explicar que todos os argentinos que conheci e pude trocar mais de meia dúzia de palavras surpreendentemente me apresentaram um sentimento, uma preocupação, um interesse comum, um abraço para com a pátria e com o que ela faz com a gente. Sabem de tudo sobre economia, política, quem fez aquilo e porquê... Quem depôs quem. Quem abaixou o preço do quê e porquê!



Pareceu-me que nós, brasileiros, somos mais anestesiados com o mar, com o amor cantado no samba, onde afogamos as mágoas da vida, as pequenas e as grandes. Parece que os brasileiros se preocupam menos, querem saber menos ou não conseguem saber de tudo. O Brasil é grande demais pra se saber de tudo! O Brasil são vários e na Argentina não é diferente... Os porteños são de um jeito e os cordobeses de outro. Ao norte, aonde iremos amanhã à noite, outros mais morenos, mais bolivianos, por assim dizer. Vamos ver o que meu coração vai me permitir ver por lá. Se este furor de sentimentos será maior, se rodarão mais a camisa ou não. Se culparão os espanhóis pela desgraça indígena sem volta...

terça-feira, 13 de março de 2007

a primeira fronteira



A fronteira paraguaia é totalmente diferente da argentina. A começar do ônibus: desde o piso, o trajeto, as cadeiras e o preço, os passageiros e o motorista. Para chegar em Puerto Iguazú, tudo é mais tranqüilo, mais verde, menos quente e com menos gente. Tem fronteira com passaporte e visto e, dali pra frente, o idioma oficial é o castellano. Nada de português ou coisa de portunhol, pelo menos vindo dos nativos.

É como se os paraguaios estivessem na terceira classe daquele mundo sujo, mediado unicamente pelo dinheiro de quem vem comprar quinquilharias e os argentinos fossem simplesmente normais.

Puerto Iguazú me lembrou Cardeal Mota, na Serra do Cipó pela terra meio avermelhada. O meu sentimento com Puerto Iguazú foi pobre. Era como se fosse somente uma ponte até Buenos Aires, como se não houvesse mais país até lá. Para mim, soava um pouco estranho ali ter casas, ter a farmácia, a padaria, o chaveiro. E me parece ser o meu sentimento o de todos, tirando as máscaras. Tive a impressão de todos estarem usando Puerto Iguazú para chegar a Buenos Aires como se lá fosse o único lugar da Terra. Como se fosse literalmente uma ponte imaginária. Pode ser pelo nome “puerto”, que inspira essa coisa de transitório. É como uma varanda que separa a sala da rua. Venta mas não chove. Fala-se castellano mas tem cara de Serra do Cipó.

Infelizmante, não tenho fotos... problemas técnicos ocorreram, depois conto. Pra quem tiver curiosidade...http://www.iguazu.gov.ar/index.htm...


Tem de tudo em Ciudad de Leste. Tem homem com dente de ouro te oferecendo “la farina” às 5 horas da tarde no meio da rua e mulher que trabalha com mula de carga ou carrinho de supermercado, por exemplo. Carrega caixas enormes nas costas ao longo da ponte, que ainda é uma ponte amiga – Ponte da Amizade, e num só arremesso, despeja tudo no Rio Paraguai pra alguma outra mula, desta vez uma mula-peixe, pescar tudo logo embaixo da aduana brasileira, a grande passagem fronteiriça com o grande emblema da Polícia Federal. Passamos como se fôssemos cães de rua. Ninguém olhou na nossa cara, nem tampouco dentro de nossas mochilas que a bem da verdade nada tinham. No máximo uns trocados pelos picolés que compramos pra vencer o maior calor que já senti.

Vimos brasileiros com a unha do dedo mindinho grande e cabelo tipo “Chitãozinho e Xororó” falando com propriedade da diferença entre um laptop Sony e um HP, as vantagens do CoreDuo Toshiba e jurando que a minha oferta anterior era uma furada.



Vimos muitas mulheres vendendo meias. Por todo lado te oferecem meias de lã, em plena sucursal do inferno de tão quente. Muitos árabes, donos de quase todas as lojas. Lindas crianças pedem “moneditas”1 50 vezes por minuto. Toca música brasileira. E tudo fecha às 5. A Aduana fecha às 5. O lixo aparece às 5:30. Montanhas e montanhas de lixo formam um tapete branco que de neve não tem nada. Neste momento, as moças trabalhadeiras estão voltando pra casa com suas micro-saias, dessas do tipo “tubinho”. No Paraguai é o que há.

domingo, 4 de março de 2007

(pura questão de escala)


Começo falando sobre a questão das escalas. Como “a noção de escala” se tornou tão peculiar a mim neste momento da vida. Não pelo costume da profissão, não pela arquitetura. A arquitetura me serve na medida que reforça o conceito bruto e faz com que de alguma maneira eu me aproxime mais de uma vaga noção de escala, uma noção que vá um pouco além do perto e do longe, do longo e do curto. Conheço a diferença e sei como isso é tão relativo. Relativo na vida.

Como posso me sentir em casa tão longe de casa? Quando ainda morava na minha primeira casa, sempre imaginei como seria estar longe. Tentava medir sensações e atitudes pela possível independência do estar longe.

Nesse momento da vida, o “longe” costuma ser tão perto...Hoje estou há muitos mil km de distância de todas as casas pelas quais já passei, mas não me sinto, por assim dizer, “longe” de casa.

É como se “longe” fosse ficando cada vez mais “perto”. O longe fica perto... é isso. E qual é o limite? Há? Quando passarei a não me sentir em casa? Quando? Qual é o limite? O longe passa a ser uma novidade normal... Sem crise nem drama aparente. Aparente.

Pura questão de escala.
por Priscilla

Ciudad Del Leste, 30/12/06



Chegamos a ela vindos de Foz do Iguaçu, do lado brasileiro. Juntamente com Puerto Iguazu, do lado argentino, estas três cidades compõem uma região denominada “Tríplice Fronteira”. Atravessando a “Ponte da Amizade”, duas impressões me vieram logo à mente.

A primeira referia-se a uma alusão ao nome da ponte, escrita numa placa: “À eterna amizade entre Brasil e Paraguai”, selada na comemoração aos seus 40 anos de construção. Imediatamente pensei nas palavras de Eduardo Galeano, escritor uruguaio, em seu célebre livro “As Veias Abertas da América Latina”, quando nos fala da “Guerra da Tríplice Fronteira” (1865-70) em que o Paraguai foi o maior derrotado: “...o Paraguai era o único país da América Latina que não tinha mendigos, famintos nem ladrões” (p.246). Destruído numa guerra financiada por uma Inglaterra imperialista – os Estados Unidos tomam de sua “mãe” o título de “maior império” após a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) – cheia de interesses econômicos e políticos expansionistas, o Paraguai foi obrigado a pagar mais duramente o ideal de deixar de ser “eterna colônia”, ao contrário de seus invasores brasileiros, argentinos e uruguaios. Eis aí as nefastas conseqüências da “necessária” luta por novos espaços para a acumulação capitalista da riqueza. Pelo visto eu tenho um prazer mórbido por placas: são um poderoso meio de transformar grandes mentiras em verdades históricas!

A segunda impressão veio ao mesmo tempo e em seguida: estávamos entrando numa cidade que é considerada o terceiro maior centro de comércio do mundo, atrás somente de (Miami e Hong Kong), sendo, portanto, economicamente rica e pujante – o que não quer dizer que desenvolvimento econômico leve, necessariamente ao chamado “desenvolvimento social”. A propaganda é observada ainda na ponte quando se avista os grandes out-doors anunciando eletro-eletrônicos de última geração abrindo um primeiro plano em relação aos grandes modernos edifícios ao fundo. Como soa absurdo dizer que propagandas, discursos ou notícias não possam ser manipulados por pessoas ou grupos que possuam este poder, comecei a aguçar um pouco mais os sentidos: estávamos entrando no Paraguai.

Ciudad Del Leste, à primeira vista, parece respirar comércio. Ou melhor: acho que o comércio parece deixar aquela cidade irrespirável, sufocante. A vida das pessoas de lá parece só ser possível se elas se entregarem aos imperativos do comércio e da mercadoria. Cada um parece ter uma missão, designada para ele como “destino”, desde sempre e para sempre. Recebe-se o “dom” (que precisa ser afirmado através de esforço constante, pois um reafirma o outro) de ser dono de alguma loja (grande ou pequena) ou, mais ainda, ser dono de uma rede de lojas, de shoppings inteiros! Há também, como em qualquer outra cidade, os políticos, os juízes, advogados, funcionários públicos graduados, em suma, aqueles que ajudam a controlar, ordenar e, assim, governar Ciudad Del Leste.


Infelizmente (“a vida é assim!”), a grande maioria, receberá a incumbência (desde sempre e para sempre) de “sobre-viver das sobras dos donos”. Poderão ser empregados dos donos maiores ou de outros tantos donos menores, camelôs, prestadores de serviços (tomadores de conta de carros, engraxates, prostitutas, pedreiros, serventes, pequenos ou grandes traficantes de drogas, armas, seres humanos), pedintes, mendigos, etc, etc.. Contudo, se querem subir de posto, subir pelas escadas da hierarquia social, devem se esforçar, nunca desistir. Do contrário, permanecerão onde estão, por culpa de si mesmos, por culpa de sua “preguiça e incapacidade”, as quais eles mesmos, por incrível que pareça, também se culpam. O que muito se aprende diariamente como algo também aparentemente natural é que “a vida, sendo o que é, é ainda mais implacável com aqueles que fraquejam!”.

Abro um rápido parêntese para dizer que chamo a esta aparente “sina” que acomete os homens de “naturalismo”. Essa construção ideológica leva os homens (e muitos daqueles que se põem a “decifrar o mundo”, como vários filósofos, economistas, sociólogos, geógrafos, etc) a tratar suas experiências e ações como se elas estivessem “fora” da moldura contextual a que estão vinculadas.

Voltando às “vacas frias”, é por isso que todos estão “incluídos socialmente” de alguma forma, fraquejando ou não, inclusive os mendigos! As “escórias” da sociedade também são exemplo, aquilo que não se deve ser ou fazer. São consumidores, ainda que marginais. Podem consumir um cigarro picado, uma dose de “pisco”, uma meia de 2000 guaranis (que corresponde a 1 real), um pequeno brinquedo fabricado na China ou Singapura para seus filhos, um pão francês na mercearia... Ou seja, riqueza e pobreza se completam; não se excluem, como muitos pensam. Tais características são próprias de todas as cidades onde a forma de organização política e econômica segue os moldes da sociedade (que aqui chamamos de capitalista, liberal e moderna): ou seja, todas as cidades, ora! Em qualquer cidade, pequena ou grande, a vida social é regida por esta norma aparentemente natural. Volto a repetir: há também lutas, há tensões, muitos explorados, expropriados de si mesmos, voltam-se contra seus exploradores. De maneira mobilizada e contundente (como os movimentos sociais indígenas na Bolívia, por exemplo) ou de maneira mais pulverizada, imediatista, consciente e até conservadora (excetuando uns poucos movimentos mais organizados, a maior parte dos protestos diversos no Brasil da atualidade).




Em meio a tudo isso, em Ciudad Del Leste compra-se e vende-se qualquer coisa: tudo vira mercadoria! A dignidade pessoal (não raro também transformada em “coisa”) muitas vezes é uma das primeiras a serem vendidas. Alguns poucos têm poder para comprar um produto parecido, que na propaganda feita nas “altas rodas” engana muito bem! Pois é, quem dispõe de muito dinheiro naquela cidade, além de poder comprar e usufruir alegremente da dignidade falsa, se dá bem naquela cidade, geralmente possuindo (e fazendo questão de mostrar que possuem) belos carros, casas confortáveis. Muitos outros, na sua grande maioria muito dignos, não são reconhecidos em sua dignidade; ou o são, embora sejam meras bestas, incapazes de serem líderes e heróis neste mundo. Na sua grande maioria, como eu disse antes, devem se contentar com as sobras. Se tiverem a sorte de vir a possuir uma casinha na periferia da cidade...

Já ouvi muitos que foram a Ciudad Del Leste dizerem que ela, tal qual seu país, não é desenvolvida e nem é moderna; é, isso sim, pobre e atrasada. Não aceito essa oposição. Assim como eu disse acima, ambas as características se completam, pois são resultado do mesmo processo, ainda que este se realize ali ou em qualquer outro lugar de muitas maneiras. As crianças e as mães que conversavam no idioma Guarani que vimos na periferia da cidade, assim como os grandes shoppings centers da avenida principal, são resultado e condição do mesmo processo de desenvolvimento. Afinal, des-envolver significa retirar do envolvimento, arrancar algo de sua relação anterior. Significa “arrancar”, expropriar aquelas mulheres de seu modo de vida e de seu jeito de ser originais: de tê-las obrigado, por exemplo, a imigrar do campo para a cidade, de fazê-las enfrentar as piores condições possíveis, oferecendo a elas em troca, a pobreza de possibilidades de viver a vida, não obstante essas mesmas possibilidades tenham sido construídas por todos ao longo da história e devessem, portanto, serem distribuídas a todos.

Não falo aqui de pobreza ou riqueza material. Elas são apenas detalhes, não explicam nada, apenas ajudam a enganar mais. Mesmo aqueles que são tidos como muito ricos (pois possuem dinheiro para comprar aparentemente o que quiserem), cada vez mais têm vivido uma vida de muita miséria, pois, em última instância, deliberam muito pouco sobre suas vidas. Ou vocês acham que o presidente da General Motors é senhor, por exemplo do seu próprio tempo? Poderíamos estar todos desfrutando dessa riqueza (da qual a material é uma delas), mas estamos desfrutando de uma imensa miséria, uns muito mais que os outros, já que são impedidos (e lutam de uma maneira ou de outra diariamente contra isso) de obter até mesmo a mera sobrevivência. Fiquei novamente pensando nas palavras de Eduardo Galeano, quando me veio à cabeça como deveria ser a capital paraguaia: “Em Assunção, a escassa classe média bebe uísque Ballantine’s em vez de tomar cachaça paraguaia. Se descobrem os últimos modelos dos mais luxuosos fabricados nos Estados Unidos ou Europa, trazidos ao país como contrabando ou como pagamento prévio de minguados impostos, ao mesmo tempo vêem-se pela rua carros puxados por bois que levam lentamente frutos ao mercado...”

Desta forma, Ciudad Del Leste, assim como tantas outras cidades, segue vivendo suas imensas contradições: carros de última geração passeando em ruas esburacadas; condomínios fechados com casa de alto padrão separados por muros altos, seguranças armados, preconceito e apartação social das imensas favelas. Mulheres maquiadas e perfumadas, bem vestidas e adornadas falando ao celular com alguém, talvez tendo de se esconder de seu vazio e solidão interiores; meninos cuja infância se perde numa precoce fase adulta carente de perspectivas. Enfim, uma existência que leva a uma luta diária e de ética muitas vezes desprezível de pessoas – contra si e contra os outros – para buscar um mínimo quinhão de sobrevivência. Parecem todos entregues à própria sorte, com o “salve-se quem puder” permeando os pensamentos. As intervenções coletivas mais profundas parecem estar submersas no oceano da passividade de muitos daqueles homens e mulheres. O melhor é contar com a ajuda de Deus ou do Diabo, de si mesmo, ou, quem sabe, de alguém que conhece os tortuosos caminhos da corrupção institucionalizada. Mas será que é só isso mesmo?! Será o “fim da história”?! Eu prefiro dizer (e acreditar) que não! Algo do possível será dito, descrito e analisado nos próximos textos. Aguardem!!
por Luiz

(e eu não entendia muita coisa)

Meu companheiro de viagem se diz comunista. Mas sabe que o comunismo não existe e até me contou, o que foi verdadeiramente uma novidade pra mim, reitero que pra mim, que comunismo mesmo nunca existiu. Eu não sabia disso. Ele, cultíssimo, falando muitíssimo bem, fala difícil e pra mim quanto mais coloquial, fácil, rápido e objetivo melhor. Bem capitalista mesmo... Pra mim, idéia boa é idéia simples. Simples não são simplistas. Gosto das idéias brilhantes e sei que só são porque são simples e, dessa maneira, são tangíveis, nossas, passíveis de julgamentos nossos, o que as põe a prova e nos põe também.

Não dispenso os pensamentos elaborados e fritantes dele. Gosto, aprendo e me admiro. Acho lindo, o que não é difícil nesse caso. Só deixo claras as disparidades complementares. O curioso é saber o quanto frito com ele que tanto me fez raciocinar. Até chego a querer um mundo melhor mesmo sabendo que ser cético é melhor por ora. E quando sinto que perderei meu ceticismo com ideais, volto à Terra e deixo que essa disparidade tão linda seja soberana. Deixe que ele acredite em algo pra que eu possa ser a cética, mesmo que mais boazinha que ele. Fico com o mundo real, já que há de se escolher um deles.

É por isso que minhas observações não têm um quê de coisa alguma. Mesmo relutante deixei que os escritos se povoassem de mim. São nada mais do que observações pessoais de dramas e belezas coletivas. São fatos curiosos, pessoas e lugares que merecem uma lembrança. Merecem comentários. Merecem que as pessoas fiquem curiosas e “percam” seu tempo com eles. Bom, pelo menos é isso que posso oferecer. Por hora.

Sempre questionei o intuito deste blog. Por vários motivos ligados ao “parecer”. Não queria que parecesse propaganda ou manual de instruções a futuros turistas. Não queria que parecesse um mero diário. Fiquei relutante ao meu posicionamento involuntário, quase doentio, povoado de emoções, assim mesmo como sou, que fez tudo ficar um tanto impregnado de mim. Não queria que parecesse educativo, meio aulístico, apostila on-line. Mesmo porque não tenho bagagem pra isso. Não tenho pretensões de ensinar o que sequer aprendi. Até que cansada disso tudo, relaxei e deixei que lessem e pensassem o que quisessem.
por Priscilla

(só pra entender)

Falar algo sobre um conjunto de cidades em que tivemos a oportunidade de “conhecer” por apenas algumas horas ou por poucos dias não é nada fácil. Por outro lado, ensaiar e depois pôr na roda algo de sua generalidade, “aquilo que em todo lugar tem”, como se diz no senso comum, não só é possível, mas também é extremamente necessário. É possível porque a organização das cidades, das maiores às menores, dá-se, basicamente, na forma de “padrões” (mas que possuem especificidade e constante dinamismo) político-institucionais, administrativos, jurídicos e político-econômicos. É necessário porque todos esses padrões não são obra da natureza do mundo ou de algo divino: “não são assim e pronto!” ou “sempre foram assim”. Ao contrário, são obra dos homens ao longo do tempo e do espaço e expressam as (suas) lutas (pela manutenção do poder político, econômico, etc. por alguns contra aqueles que querem com ele romper ou tomá-lo para si).

Aproveitando-me das possibilidades ditas acima, faço a partir de agora uma “mistura interpretativa” para os leitores das impressões que tive, e de outras. Ou seja, deixo-as aqui nestas páginas misturando os ditos padrões ao que de único cada cidade foi oferecendo a todo momento para nós. Essas impressões são, portanto, fruto de nossas reflexões – conjuntas e individuais –, propiciadas em 25 dias, ao longo dos quais passamos por Ciudad Del Este (durante algumas horas), no Paraguai, e outras doze cidades da Argentina e da Bolívia.
por Luiz