segunda-feira, 30 de abril de 2007

O "La Boca" como espetáculo e como (im)possibilidade



Dentro da nossa já combinada proposta, decidimos ir a pé de onde estávamos (bairro San Telmo) ao bairro de “La Boca”, visto que os dois bairros estavam separados um do outro por cerca de meia-hora de caminhada. Queríamos ver algo do conhecido bairro que por várias décadas imigrantes italianos, espanhóis, argentinos do norte, moradores pobres da Buenos Aires do final do século XIX e primeira quadra do século XX. La Boca é ainda lugar de gente humilde, de gente de alguma maneira que luta diariamente contra as intempéries de uma vida imposta. Mas é também lugar onde o curioso processo de produção de um espaço teatral embaralha os sentidos e engana os olhos, já que ganha ares de vida real. É como se o absurdo teatro da vida “real”, aquela que nos dias de hoje é “oferecida” aos homens como impossibilidade de se realizar qualquer ideal além daqueles de si próprios, ficasse em suspenso, criando uma sensação de entorpecimento. Uma espécie de “vida falsa” torna-se “verdadeira” naquele lugar. Muitos já não sabem o que é verdade e o que é mentira. Às vezes revoltam-se individualmente e de verdade com a mentira; outras vezes ficam alegres e satisfeitos com a verdade, sabendo (ou não) que ela é uma mentira.



Falo do La Boca de hoje, com seus restaurantes onde o rústico mimetiza-se no sofisticado, das butiques sofisticadas que vendem roupas cujos tecidos outrora eram jogados fora porque não tinham serventia; dos dançarinos de tango que fazem um número a qualquer hora que se pedir, desde que o expectador lhes pague 20 ou 30 pesos.

Falo também de um La Boca não muito longe dali, escondido muito mais pelo desprezo da maioria daqueles que vêm para comer nos restaurantes sofisticados, comprar roupas de preços salgados ou pagar para ver um show de tango, do que por ser longe daquele outro La Boca. Este La Boca de que falo possui cortiços, não tão bem pintados, não tão bem coloridos como o outro. Possui também crianças que brincam na rua, quando sobra um tempinho do trabalho diário de ganhar uns trocados dos homens e mulheres endinheirados que freqüentam o outro. Possui pequeninas lojas que atendem como “pizzerias”, onde comendo ou não se pode sentar nas mesas da calçada e conversar um pouco sobre as curiosidades do bairro, do resultado do último jogo do Boca Juniors, contar e ouvir casos da vida sem muita preocupação com o tempo que insiste em ser escasso e constrangedor.



Aquele La Boca de que primeiro falamos é um lugar que os próprios moradores do bairro não freqüentam ou freqüentam com um sentido muito claro: apenas para fazer algum tipo de serviço e ganhar uns trocados das pessoas que vêm muitas vezes de outros países, que vêm para fazer o turismo e “conhecer” a Argentina e sua capital. É estranho não vermos gente que vai ali sem nenhuma intenção de consumir. E agora não estou falando dos moradores do La Boca, mas das pessoas “de fora” que vão para lá. O La Boca dos turistas parece operar a passividade nos sentidos, de deixar de lado o pensamento e a reflexão para algo de errado que acontece ali, um espaço produzido de verdade, mas que se alicerça na mentira. Que se afirma com algo do que ele já foi um dia utilizando seus símbolos como meras alegorias negando aos seus protagonistas diários (o povo do La Boca: os de ontem e os de hoje!) a parte que lhes caberia na venda pura e simples de sua história.

Um primeiro aspecto, no meu entender, é compreender as estratégias utilizadas pelos agentes que irão intervir e planejar o espaço. La Boca pelo visto possui a tradição dos artistas populares, da arte cultivada em meio às dificuldades (a começar pelo modo através do qual as residências foram construídas)
Ainda assim seríamos levianos em homogeneizar a análise. Há sim uma área estéril, onde a forma mercadoria se faz presente em todos os momentos (dançarina de tango cobrando 10 pesos para tirar uma foto), reificando as relações. Ali a lógica se orienta para a produção de mediações ordenadoras daquilo que outrora seria próprio do viver e da atitude espontânea. Assim sendo, as práticas daí advindas são sumamente tragadas por tais mediações, transformando as primeiras em meros signos (desubstancializando as relações), objetos de compra e venda – porque inscritos como valores de uso canalizados pelo valor de troca. Há também áreas cuja história está ligada à ocupação de imigrantes italianos. Penso nisso quando me deparo com pessoas como Sr... Embora a relação tenha algo de mercantil (compra-se e vende-se algo) há algo além: sentar-se à mesa significa relacionar-se com as pessoas ao lado, ter “um dedo de prosa” mais descompromissado, tendo os apertos do tempo um pouco mais afrouxados, comendo algo.

Buenos Aires, 31/12/06

A chegada a Buenos Aires foi por nós muito aguardada. Afinal de contas, foram vários os meses de expectativa, desde que a capital portenha definitivamente entrou no nosso roteiro de viagem. Sinto que tal expectativa ganhou ainda mais colorido quando, ainda em Foz do Iguaçu, nos deparamos com a possibilidade de não seguir para a Argentina no dia 30 de dezembro, haja vista a falta de passagens disponíveis a partir do Brasil. No entanto, tudo deu certo: acabamos comprando via Internet duas passagens a Buenos Aires partindo de Puerto Iguazu, já no lado argentino.
Enfim, desembarcamos: era começado o delicioso e nada fácil empreendimento de aproveitar ao máximo 5 dias de estada, passeando bastante e tentando viver e captar a dinâmica pulsante do turbilhão da grande metrópole. O terminal de Retiro foi o nosso recpecionista e também o nosso guia, já que foi ali que nos localizamos e aprendemos a nos deslocar no nosso primeiro destino.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

salta é uma cidade estranha



Chamam-na de "la linda"... mas o que vi foram agências de viagem de-mais pra cidade de menos. Muitos hotéis, mas não vejo turistas. Foram todos levados pelas mesmas agências para fora de Salta, para os arredores, que é onde turista de verdade gosta.

Fui a Salta mas ainda não vi empanadas. Será que vai ser mais um daqueles meus, digamos, vícios? Lembro-me que fui à Ciudad de Leste e não comprei nada. Pois desta vez, não fracassarei... comerei empanadas salteñas nem que se me custarem AR$12. Na verdade, o que nem me custou AR$12 foi a pulseira linda que ganhei.

Parece ser prata, mas não a prata com a qual estamos acostumados. É uma prata mais fina, fina de espessura que vem dos lingotes de Potosi trazidos pelos próprios bolivianos de lá. Conheci um hoje e infelizmente não me lembro o seu nome. Era um senhor com aquela típica cara de índio com prata literalmente até os dentes. Foi curiosa a minha conversa com ele. Acho inclusive que ele me levou muito à sério. Mais a sério do que muita gente. Imaginem que eu, mulher, estrangeira brasileira, pergunto a ele, com a curiosidade de quem quer sanar suas mini-futilidades permitidas, se encontrarei muita prata em Potosi. Achei que ele fosse me responder: “Ah, claro, hay mucha plata en Potosi, muchos anillos, pulseiras...” Mas isso não aconteceu. Ele me respondeu dizendo que encontraria muita e poderia trazer os lingotes pela fronteira sem problemas! Achei o máximo! Que ironia: eu não sou nada, eu não sou ninguém, mas tenho cara de quem compra lingote de prata e passa com isso na fronteira brasileira pra vender!!!

Aqui não é a mesma Argentina que conheci e que havia antes no meu imaginário. Ou o melhor e mais justo seria dizer que a Argentina é aqui em Salta e no sudeste, onde está Buenos Aires, que sejam os ítalo-espanhóis, mais ítalos com certeza, inclusive na sua soberana e completa elegância e tudo o mais que têm, com todo o envolvimento francês de cidade. Pode-se dizer que a Argentina é aqui: sua origem remota, indígena e tradicional.

Comi, na última hora, empanadas salteñas. Muito boas, são realmente uma iguaria. Massa fina, crocante na parte mais alta, que quebra como uma casca de ovo. Comi aqui mesmo no terminal, de partida pra Jujuy. No terminal de Salta há muita gente viajando como eu. Em sua maioria, argentinos do sul, que vêm periodicamente gastar o que ganharam no norte. Ficam aqui assim sem fazer nada, esperando. E enquanto esperam, comem empanadas exatamente como eu, melancólica e na verdade com um pouco de saudade do Brasil. Saudade de ouvir a conversa de gente comum no ônibus e entender tudo. De comer várias comidas diferentes na mesma refeição. De variedade. De variedade de gente. Mas tá bom.

terça-feira, 17 de abril de 2007

nossos amigos cordobeses ...



Córdoba está pra Belo Horizonte e Buenos Aires está para São Paulo. Córdoba tem muita mistura e os cabelos não são tão avant garde. Cordobeses não gostam de porteños. Porteños são como paulistas, para nós mineiros: de terno, chiques, perfumados, usando Ralph Loren e lanchando nas melhores rotiserias da América do Sul. O cordobês toca violão, anda de bombacha, tem cabelão inteiro de rabo de cavalo, mesmo sendo igualmente italiano. O cordobês quando indígena não é migrante, mas é dali mesmo: o agricultor, o comerciante. Buenos Aires é férias, final de semana, boate e exposições de arte. Córdoba é todo dia, festival de doma e comprinhas na Peatonal. Buenos Aires é milanesa. Córdoba é choripan. Buenos Aires parece ter mais cafés do que kioscos. Córdoba tem seguramente menos cafés do que kioscos, onde compramos cospeles pra andarmos por Córdoba de ônibus.